No dia 08 de dezembro, dedicado à Nossa Senhora da Conceição, Leontra galgou o primeiro degrau da escada profissional, ajudado pelo seu primo Chaline, na obtenção do primeiro emprego com carteira registrada numa oficina mecânica administrada pela empresa Ladário Comércio e Indústria S/A. Naquela altura da vida profissional estava em estado de graça com muita disposição para a construção de um risonho futuro: saúde, fé em Deus, força de vontade e bastante garra.
Nos seus esforços para trabalhar honestamente e no ânimo a fim de estudar com afinco, empregava tudo o que fosse possível para alcançar os principais objetivos. Por isso, enquanto trabalhava na oficina, levava cadernos e livros para estudar nas horas de folga e escondido no banheiro, nos momentos em que as tarefas assim proporcionassem.
Ao mesmo tempo em que trabalhava em serviços humildes de oficina mecânica já pensava em progredir ao prestar todos os concursos públicos surgidos para os mais variados cargos de nível médio. Passou por muitos dissabores, a fim de se adaptar ao novo emprego, quer no relacionamento com os colegas, ou também pela timidez e inexperiência no trato com o público usuário da empresa.
Um adágio popular dizia que “há males que vêm para bem”, e isto foi aplicado a Leontra, quando aquele senhor idoso o denunciou falsamente junto ao patrão. A sua demissão forçou-o a procurar outro emprego, encontrando este logo a seguir para desempenhar as tarefas de Serviços Gerais. A benevolência do seu primo, na época da sua maior penúria profissional, foi um dos fatos marcantes. Isto ficou preso na sua memória até o fim da vida e foi de enorme gratidão à prole do benfeitor, expressava ele.
O desempenho dos serviços gerais na oficina foi o trampolim para a arrancada definitiva de onde partiu Leontra para o sucesso. Entretanto, a permanência nele teve muitos dissabores. Primeiramente, por ser um tabaréu da roça e de costumes inversos, logo os colegas, ao perceberem aquela condição, passaram a fazer chacotas ao colocar-lhe todo tipo de apelidos. Pegou o de Zé da Baia por ter sido o de maior oposição. “Zé” em razão dos dois irmãos Zés e “Baia” em virtude da suposta zoofilia praticada pelo caipira, quando morava na roça. Depois foram as maneiras desdenhosas no tratamento profissional, como por exemplo, mandando-o buscar triângulo quadrado no almoxarifado para extrair dente do motor, ou um pano para enxugar gelo, e por aí afora. Posteriormente apareceram os demais problemas, advindos da timidez na difícil adaptação ao trabalho e na dificuldade de relacionamento com os chefes. Sentia-se inseguro em desenvolver o seu potencial de trabalho, nas ordens absurdas dos companheiros, e por fim o tolhimento da sua expansão profissional. Em todas essas barreiras estava lá Zé Baiano para encorajar o amigo-irmão Leontra e pedir-lhe paciência e perseverança que o comportamento honesto e sincero do trabalhador sempre proporciona bons resultados.
No período desse emprego e também com a orientação amiga de Zé Ícaro, Leontra executava não só as tarefas a ele atribuídas como também todas as demais solicitadas pelos colegas. Oficialmente deveria fazer a varrição das oficinas; descarregar e carregar peças e motores; controlar a entrada e saída dos serviços mecânicos; transportar manualmente dentro das oficinas todo tipo de material e demais serviços gerais. Entretanto, procurava também fazer algo mais em pequenos momentos de folga, tais como retirar peças do motor; desmontar motor; desempenar tampão; esmerilhar válvulas; e por fim ajustar motores, montando pistões, bielas, e virabrequim nos blocos.
Essas tarefas ele procurava executar fora do expediente normal e nos intervalos de refeição e lanche. A princípio fazia aquilo meio escondido, porque argumentavam os colegas sobre a possibilidade de comprometer a qualidade do trabalho, pela inexperiência do “mecânico”. Essa controvérsia durou pouco tempo até chegar ao conhecimento do diretor que lhe deu todo apoio para também aprender o ofício de mecânico. Porém, deveria executar primordialmente as tarefas da sua função contratual. As ilações dos chefes sobre defeitos dos serviços executados por Leontra também não tiveram sustentação, porque até então os clientes estavam satisfeitos com a qualidade. Daí em diante Leontra passou a ser causa de divergências entre os diretores, a respeito de promoção profissional. Lábino o incentivava, Icica era contra, Doniral ficava indiferente, e os chefes coçavam o cotovelo, procurando impedir o seu progresso, por inveja. Fazendo trabalho além das suas obrigações no emprego e caindo nas graças do patrão que mais diretamente estava ligado ao seu trabalho, Lábino até permitia implicitamente que ocupasse os momentos de folga para estudar as matérias nos dias de prova na escola.
O Lábino, querendo lhe premiar, certa vez removeu-o para trabalhar na limpeza da loja de peças nas ausências do faxineiro. Lá ele continuou com a mesma disposição de não ficar ocioso em instante algum, arrumando e organizando as peças nas prateleiras. Além disso, ainda ajudava a fazer alguns serviços externos, como o de levar ou buscar peças em outras lojas. Um dos fatos que marcaram Leontra naquela ocasião ocorreu num desses momentos, quando foi incumbido de buscar uma peça na loja do Tonabomba. O pessoal balconista era zombeteiro e gozador, motivo que fez ultrapassar a linha do razoável nesse episódio. Leontra foi “procurar” um jogo de bronzina que já havia sido transacionado entre os vendedores de ambas as lojas, e naquele vaivém, diz quem diz, quem falou e não disse, não se identificava a pessoa que deveria lhe entregar a peça. Aquele “quintiliálogo” enfadonho chegou até ao diretor, que se referiu a ele com a seguinte menção desdenhosa: “aqui está o Procurador da Ladário! ao que o outro lá do fundo respondeu:Ah!, procurador de peças?” Aquele ato de arrogância desprezível do empresário e de seu empregado feriu-lhe no mais profundo do ser e lhe corou o rosto de vergonha, de tal maneira que nunca se esqueceu daquela humilhação. Esse foi um fato motivador a lhe insuflar a vontade de se atirar com mais garra ainda na guerra da vida, de maneira tal que, muito tempo depois, Leontra pode mostrar a eles que fora alguém profissionalmente superior a procurador da Ladário Comércio e Indústria S/A.
Assim, ele trabalhava na loja e ainda ajudava nas tarefas da oficina, quando aumentavam os serviços dela. O Doniral, diretor comercial, responsável pela venda de peças, observando a vontade, o esforço e as qualidades do faxineiro substituto, aceitou transferi-lo para a Divisão Comercial como vendedor, o melhor e mais bem remunerado cargo da empresa. Antes disso o Lábino, diretor industrial, já havia lhe prometido promoção dispondo a lhe ajudar. Entretanto o diretor administrativo Icica e os chefes da oficina foram contra. Resultado: no lugar onde estava lá ficou como antes, sem embaraço e ressentimento, porém com a certeza de que bom empregado é melhor para empresa do que para si mesmo; é prejudicado por ser melhor, pois foram estas as justificativas dos contrários, de que ele era imprescindível onde estava e assim deveria permanecer exatamente na oficina.
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
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