terça-feira, 25 de novembro de 2008

Livro de Família

Este texto está fazendo parte de um livro antológico a ser editado pela ALL PRINT EDITORA, com lançamento previsto para dezembro de 2008.
A BICICLETA.

Um episódio bastante exemplar Maicro experimentou quase no final da sua vida. Vindo da roça para a cidade, o objeto de maior importância que levou foi uma bicicleta que fez história na sua vida. Foi a condução rural para os deslocamentos de casa para as roças, e de casa para os passeios aos bailes e nos namoros. No noivado, viajava mais de 50 quilômetros de distância. Nela transportava seus irmãos menores, a esposa e até sua mãe. Serviu a ele, ao Zilo e ao Oducha durante mais de quinze anos na cidade para locomoção ao trabalho e em alguns passeios, de maneira adequada e útil em todos os sentidos, podendo ser considerada o objeto de maior proveito para a família. Pois bem, eram pessoas a utilizar a mesma condução e o faziam em perfeita harmonia entre os tres. Após a evolução social de Maicro e a morte de Solarzé quando possuíam juntos três automóveis novos e dois usados; o filho mais velho de posse de dois carros novos e um velho, Maicro um novo – o melhor de todos – e outro velho, e o filho mais novo um velho, brigaram as duas famílias porque quiseram usar o melhor carro – uma perua Mercedes, adaptada – do pai ao mesmo tempo e para passeios em lugares diferentes. Esta condução havia sido adaptada para o transporte de 8 pessoas de maneira tal que poderiam viajar juntas as tres famílias. No mês de setembro Maicro agendou uma viagem utilizando a Mercedes, a fim de passar as festas natalinas daquele ano no litoral. Porém a intenção do velho era de que pudessem fazer a primeira viajem, cumprindo a finalidade da condução: transportar as três famílias. Em meados de novembro, o filho mais novo mudou de idéia e resolveu visitar o sogro nas férias de fim do ano, distante 1.200 kilômetros, contando para isto com a Mercedes. Como já havia sido programada a viagem para o litoral, não pode satisfazer a vontade do filho, Oducha. Por sua vez este argumentou que o seu irmão poderia utilizar os seus carros novos para se deslocar até o litoral e o carro dele, sendo mais velho, não agüentaria a viagem por ser distante. Portanto, em virtude de tudo isto, os dois se desentenderam e estragaram as festas das famílias naquele ano. Daí Mairco chegou a seguinte conclusão: enquanto eram simples e humildes convivíam harmoniosamente servindo os tres de uma só bicicleta; e quando as três famílias tinham cinco veículos, os dois brigaram por questões de poder.
Portanto, nestes tempos da era cibernética, da ciência e tecnologia progressivas da economia globalizada e dos governos liberalistas, tornar-se pai deixou de ser sublime como nos tempos Bíblicos, por exemplo. Em tempos não muito remotos, na década de sessenta, tais como os Patriarcas Bíblicos Abraão, Isaac e Jacó, os pais eram exaltados por suas descendências e respeitados na velhice pela nobre missão de dar-lhes a vida. Como vemos no quarto mandamento do decálogo, os filhos deviam honrar pai e mãe, reverência esta que até pouco tempo era hábito. Costumavam os filhos tratar seus pais com apreço e mesura desde ao primeiro cumprimento do dia no café da manhã com o pedido de bênção, até ao dormir com a mesma solicitação da graça Divina. As famílias viviam em verdadeira harmonia, quer no lar, no trabalho e até no lazer. Os filhos faziam refeições juntos; noivavam e casavam consensualmente concorde com os pais; pediam opinião dos pais nas decisões importantes; entregavam todo o produto do trabalho - quando não faziam parte da mesma empreitada - aos pais, vivendo em perfeito vínculo de uma sociedade de economia familiar bem sucedida e, por aí afora.
O que vivemos hoje, nos tempos ditos modernos, é a ironização da sociedade aos filhos que ainda tratam seus pais com respeito, é uma verdadeira demolição dos sadios costumes nas relações entre pais e filhos; em fim, um autêntico desmantelamento do núcleo familiar.
O desenvolvimento social e econômico do mundo moderno com os pais abençoando os filhos num talão de cheque, ou obrigando-os a esmolar na rua, originou maiores distâncias entre o rico e o pobre. O encurtamento das distâncias nas comunicações pela velocidade e quantidade das informações midiáticas entupiu o canal de comunicação dentre filhos e pais. O alargamento dos espaços nos conglomerados urbanos e o esvaziamento da permanência paterna na zona rural criaram distâncias maiores. A falta de perspectivas para os jovens se desenvolverem ficou ofuscada pela globalização da econômica e desuniversalização do trabalho. A desilusão dos idosos e o egoísmo pela competição financeira desmedida dos jovens tornaram-se quase impossível para pais e filhos permanecerem fiéis à tradicional convivência fraterna das famílias.

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